Dia Mundial do Meio Ambiente: após 10 anos, o que a Laudato Si nos ensina sobre o cuidado com a Casa Comum

Mariane Rodrigues| Setor de Comunicação

Papa Francisco começa o documento com trechos dos cânticos de São Francisco de Assis, que comparou a Terra como nossa mãe, que nos acolhe, e como nossa irmã, com quem partilhamos a existência

Em 28 de maio de 2015, o Papa Francisco publicou a encíclica Laudato Si, em que a Igreja abre um diálogo com o mundo sobre a degradação da biodiversidade e os cuidados com o meio ambiente em seus mais diversos aspectos. Nesta quinta-feira (5) é celebrado o Dia Mundial do Meio Ambiente e da Ecologia. Neste ano, a Campanha da Fraternidade, promovida pela Igreja Católica no Brasil, traz como tema ‘Fraternidade e Ecologia Integral’, com o lema “e Deus viu que tudo era muito bom”.

Mas, qual é a relação da fé cristã com a natureza em toda a sua forma e completude?

Em suas quase 200 páginas, a Carta Encíclica Laudato Si coloca a Terra como a nossa Casa Comum, aquela que nos foi dada por Deus na criação das suas obras, para contemplá-las e utilizar os seus recursos com responsabilidade, cuidado e amor. Papa Francisco começa o documento com trechos dos cânticos de São Francisco de Assis, que comparou a Terra como nossa mãe, que nos acolhe, e como nossa irmã, com quem partilhamos a existência.

“Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a mãe terra, que nos sustenta e nos governa e produz variados frutos com flores e verduras”, compôs São Francisco de Assis.

Papa Francisco lembrou a todos que esta mesma Irmã “clama contra o mal” que o homem tanto a causa. Esse mal, alertou o pontífice, ocorre pelo uso irresponsável dos bens que ela dispõe. “Crescemos a pensar que éramos seus proprietários e dominadores, autorizados a saqueá-la.”

Os sintomas de doença em que se nota no solo, na água, no ar e nos seres vivos são consequências de um coração do homem que está ferido pelo pecado. E é por isso, considera Papa Francisco, que a Terra está “oprimida” e “devastada”, em meio ao abandono e aos maus tratos, assim como vivem os pobres deste mundo.

“Esquecemo-nos de que nós mesmos somos terra (cf. Gn 2, 7). O nosso corpo é constituído pelos elementos do planeta; o seu ar permite-nos respirar, e a sua água vivifica-nos e restaura-nos”, ressaltou o pontífice.

O cuidado com o meio ambiente está intrinsicamente ligado à fé cristã. Deus, como pontuou Francisco, confiou o mundo ao ser humano e a vida humana é um dom, uma dádiva, que precisa ser protegida. Mas cuidar e melhorar o mundo requer, nos dias atuais, de “mudanças profundas nos estilos de vida”, não só em termos individuais, mas nas mudanças nos meios de produção e consumo e nas estruturas de poder já consolidadas. É como pensa Francisco e expõe na Laudato Si.

Para Francisco, destruir as coisas da natureza é um pecado contra Deus, porque também é um crime cujas vítimas e algozes é o próprio ser humano.

“Quando os seres humanos destroem a biodiversidade na criação de Deus; quando os seres humanos comprometem a integridade da terra e contribuem para a mudança climática, desnudando a terra das suas florestas naturais ou destruindo as suas zonas úmidas; quando os seres humanos contaminam as águas, o solo, o ar… tudo isso é pecado ». Porque « um crime contra a natureza é um crime contra nós mesmos e um pecado contra Deus ».”

Na Laudato Si, o pontífice convida cada um dos fiéis a se aproximar da natureza, a contemplar o ambiente que os rodeia, a admirar a beleza da Casa Comum.

“Se nos aproximarmos da natureza e do meio ambiente sem esta abertura para a admiração e o encanto, se deixarmos de falar a língua da fraternidade e da beleza na nossa relação com o mundo, então as nossas atitudes serão as do dominador, do consumidor ou de um mero explorador dos recursos naturais, incapaz de pôr um limite aos seus interesses imediatos”, considerou.

Na Laudato Si, Papa Francisco abordou todas as temáticas que abrangem não só à Ecologia, mas ao meio ambiente, desde o cuidado com as águas, os oceanos, os vegetais, as florestas, os animais, até a busca pela redução da pobreza, o bom manejo da agricultura, o equilíbrio da densidade demográfica das grandes cidades, a busca por melhor qualidade nos transportes públicos, a ampliação do saneamento básico, a manutenção e respeito às culturas locais e o combate à violência.

Papa Francisco lembra que as catástrofes ambientais, os efeitos colaterais da não proteção ao meio ambiente são sentidos, de forma mais dura e intensa, pelas populações mais pobres. Por isso, quando se pensa em proteção ao meio ambiente, essa população que está às margens da sociedade precisa ser lembrada.

Para a Laudato Si, o Meio ambiente não pode ser pensado de forma fragmentada. Ele abrange tudo o que diz respeito a vida humana, no seu sentido biológico, mas também às estruturas das cidades e as dinâmicas sociais, pois tudo está interligado.

“O ambiente humano e o ambiente natural degradam-se em conjunto. […] De facto, a deterioração do meio ambiente e a da sociedade afetam de modo especial os mais frágeis do planeta, […] a poluição da água afeta particularmente os mais pobres que não têm possibilidades de comprar água engarrafada, e a elevação do nível do mar afeta principalmente as populações costeiras mais pobres que não têm para onde se transferir. O impacto dos desequilíbrios atuais manifesta-se também na morte prematura de muitos pobres, nos conflitos gerados pela falta de recursos e em muitos outros problemas que não têm espaço suficiente nas agendas mundiais”.

O documento não traz apenas os problemas causados pela ação do homem, mas reforça sobre uma esperança de que ainda há tempo de agir contra a degradação ambiental que está intimamente ligada a degradação social.

Ele traz exemplos práticos do que pode ser feito, não somente por cada indivíduo – como evitar o consumismo desenfreado – mas por políticas públicas a níveis locais, regionais e globais, com a integração de lideranças políticas, organizações empresariais e entidades representativas.

Para o Papa Francisco, a conservação e proteção ao meio ambiente estão intimamente ligadas à construção profunda da Justiça, da paz e do amor.

“Qualquer solução técnica que as ciências pretendam oferecer será impotente para resolver os graves problemas do mundo, se a humanidade perde o seu rumo, se esquece as grandes motivações que tornam possível a convivência social, o sacrifício, a bondade. Em todo o caso, será preciso fazer apelo aos crentes para que sejam coerentes com a sua própria fé e não a contradigam com as suas ações; será necessário insistir para que se abram novamente à graça de Deus e se nutram profundamente das próprias convicções sobre o amor, a justiça e a paz”.

Consumo desenfreado, a cultura do descarte, aquecimento global, alta concentração de gases do efeito estufa, o derretimento das calotas polares, perdas das florestas tropicais, mudanças climáticas, combustíveis fósseis, esgotamento dos recursos naturais, escassez e problemas na qualidade da água, mortalidade infantil, perda das espécies, crescimento desmedido das cidades, caos urbano, poluição sonora, privatização das áreas verdes, exclusão social, desperdício de alimentos, a lista de temáticas é infinita, e mesmo assim, nada passou despercebido pelo Papa Francisco, na encíclica Laudato Si. Tudo foi destrinchado de forma detalhada pelo pontífice, que apresentou o problema, as suas causas, e o que pode ser feito para mitigar essas situações.

Sobre o acesso à água, ele falou: “O acesso à água potável e segura é um direito humano essencial, fundamental e universal, porque determina a sobrevivência das pessoas e, portanto, é condição para o exercício dos outros direitos humanos. Este mundo tem uma grave dívida social para com os pobres que não têm acesso à água potável, porque isto é negar-lhes o direito à vida radicado na sua dignidade inalienável.”

O evangelho da criação

Papa Francisco fez uma bonita relação entre o evangelho da criação, e o cuidado com a Casa Comum, aquela que nos foi confiada por Deus. Ele quis mostrar como a fé oferece aos cristãos fortes motivações para cuidar do meio ambiente.

“As narrações da criação no livro do Génesis contêm, na sua linguagem simbólica e narrativa, ensinamentos profundos sobre a existência humana e a sua realidade histórica. Estas narrações sugerem que a existência humana se baseia sobre três relações fundamentais intimamente ligadas: as relações com Deus, com o próximo e com a terra”, explicou o pontífice.

Francisco reconhece a importância das pequenas atitudes do cotidiano que colocam em prática uma consciência de proteção ambiental: o descarte correto do lixo, o não desperdício da água, reduzir o uso de plásticos, usar mais do transporte público, evitar o desperdício de comida. Essa educação ambiental nos é dada em diversos setores da sociedade: na escola, na nossa rua, na família e a igreja também exerce esse papel fundamental.

“Desejo propor aos cristãos algumas linhas de espiritualidade ecológica que nascem das convicções da nossa fé, pois aquilo que o Evangelho nos ensina tem consequências no nosso modo de pensar, sentir e viver”, pontuou Francisco. Para ele, empenhar-se nas atitudes que mudam a forma de tratar o mundo é essencial, mas este empenho só é possível quando há uma moção no interior de cada um, que motiva, encoraja e dá sentido à ação em comunidade.

“Temos de reconhecer que nós, cristãos, nem sempre recolhemos e fizemos frutificar as riquezas dadas por Deus à Igreja, nas quais a espiritualidade não está desligada do próprio corpo nem da natureza ou das realidades deste mundo, mas vive com elas e nelas, em comunhão com tudo o que nos rodeia”, considerou o pontífice.

Ele convocou a todos a uma conversão ecológica. “Viver a vocação de guardiões da obra de Deus não é algo de opcional nem um aspecto secundário da experiência cristã, mas parte essencial duma existência virtuosa”.